"Quando jogamos luz nas contas do estado, vemos que não
existe nenhum ajuste fiscal em curso. Ajuste fiscal pressupõe mudança
estrutural nas contas públicas"
POR TYAGO HOFFMANN
23/02/2017 0:00
"A crise da segurança no Espírito Santo abriu espaço para
um debate amplo sobre o modelo e o papel do Estado na economia e na sociedade
brasileira. O Espírito Santo, que até então era festejado como um modelo pelo
seu “rígido ajuste fiscal”, de repente se viu envolto numa crise sem
precedentes, fazendo com que muitos questionem até que ponto um estado pode
abrir mão de suas obrigações legais, especialmente nas áreas sociais, para
fortalecer um projeto pessoal.
É preciso esclarecer um elemento para que o debate ocorra
da maneira mais fiel à realidade. Quando jogamos luz nas contas do estado,
vemos que não existe aqui nenhum ajuste fiscal em curso. Ajuste fiscal
pressupõe mudança estrutural nas contas públicas, que se perpetuem e modifiquem
seu caminhar de longo prazo.
O que aconteceu no Espírito Santo foi um corte linear de
investimentos e custeio, e reajuste zero para os servidores. Isso pode ser
comprovado por relatórios disponíveis na Secretaria do Tesouro Nacional e na
Fazenda estadual, que apontam para uma redução de investimentos de mais de 70%,
em relação a 2014, e a manutenção dos gastos com pessoal e custeio.
Ao arrefecer a crise econômica nacional e retomados os
investimentos, bem como a recomposição salarial dos servidores pelas perdas
inflacionárias, voltaremos ao mesmo patamar de despesas orçamentárias de antes.
E, numa eventual nova crise, as ações de hoje não garantirão equilíbrio das
contas.
Relevante perguntar quais as consequências desse
pseudoajuste. A resposta é a pior possível: o desmonte dos serviços públicos
básicos; o agravamento da crise econômica pela ausência do estado na
recuperação dos investimentos e na geração de emprego e renda, através da não
aplicação de uma política anticíclica.
Para exemplificar, vamos analisar a segurança pública
Até 2010, após oito anos com o atual mandatário à frente
do Executivo, o estado era o segundo mais violento do país e um dos piores
sistemas carcerários. A partir de 2011, foi criado o programa Estado Presente,
com foco prioritário na redução de homicídios, com duas diretrizes: a
reestruturação da força policial e a ampliação dos investimentos sociais em
áreas com maior incidência de crimes contra a vida. Nesse período, foi ampliado
o efetivo para policiamento ostensivo, inteligência e perícia criminal para
prisão de homicidas.
Em paralelo, estas áreas receberam novas unidades
escolares, de saúde, e infraestrutura urbana, bem como programas de treinamento
e capacitação profissional de seus moradores. Os resultados foram
significativos e perenes, sendo percebidos até recentemente. O Espírito Santo
saiu da lista dos estados mais violentos, e a iniciativa foi reconhecida pela
ONU como o melhor programa de enfrentamento à criminalidade do Brasil. A partir
de 2015, houve o desmonte silencioso desse trabalho.
No Espírito Santo, o governador passou a defender o seu
“ajuste fiscal” como um valor da nossa sociedade e um exemplo para a sociedade
brasileira, defendendo um modelo de Estado rentista, onde acumular recursos
financeiros é o fim último de uma gestão. Uma visão liberal extremada, que
defende que o Estado não tem papel ou tem reduzido.
Essa visão de Estado está levando à ampliação das
desigualdades sociais, mais desemprego e todo tipo de sofrimento para os que
mais precisam. O caso da segurança pública é emblemática nesta questão.
Sobre sermos luz para o país, o Espírito Santo deve sim
ser luz para o Brasil, mas pela capacidade de trabalho do seu povo, pela
capacidade empreendedora de seus empresários, pelo progresso aqui experimentado
e pelo olhar social aos menos favorecidos, e não por um ajuste fiscal
inexistente, que só produz sofrimento e ganhos políticos individualizados para
um personagem."
Tyago Hoffmann é economista e foi secretário da Casa
Civil do Espírito Santo no governo Renato Casagrande (PSB)
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/opiniao/o-desmonte-do-espirito-santo-20966997#ixzz4ZYHWZB1H
© 1996 - 2017. Todos direitos reservados a Infoglobo Comunicação e Participações S.A. Este material não pode ser publicado, transmitido por broadcast, reescrito ou redistribuído sem autorização.
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