Cidadania, por Elton Simões


Não é necessário debater os fatos. Eles são certos e conhecidos. Aparecem nas conversas. Pingam das páginas dos jornais. Brilham ao sol nas capas das revistas. Estão estampados nas telas das televisões. Brotam da internet. Os fatos, enfim, são indiscutíveis. Pode-se apenas interpretar seus significados ou debater seus sentidos.
Sente-se na pele a energia que falta. Experimenta-se a escuridão, o calor, a parada da geladeira. Da janela do carro parado em longos e demorados engarrafamentos, acompanha-se a lenta passagem do tempo em que a vida escoa lenta, mas dolorosamente, por entre os dedos.
Aviões se dispensam de cumprir horário. Nem se nota mais. Atrasos nem mesmo são objetos de explicação ou pedido de desculpas. Estranha-se quando a decolagem ocorre no horário marcado. Espanta-se quando algo funciona. A exceção vira a regra e a regra, simplesmente uma raridade em extinção.
Desastres naturais acontecem e se repetem em intervalos regulares, previsíveis, com gravidade antecipada.
Contam-se as vitimas daquilo que poderia ser evitado, minimizado, ou prevenido. A cada repetição, esquecem-se os episódios anteriores para concentrar nos lamentos de desastres mais recentes. Esquece-se de tudo, e não se aprende nada.
Na falta de boas noticias, culpam-se os termômetros. Mudam-se as medidas. Trocam-se as regras. Quando perdidos, quebra-se a bússola.
A insegurança publica diminui o mundo. Enquanto constroem-se mais muros, mais altos, os limites e as liberdades ficam cada vez mais curtos. Até o ponto em que o mundo se reduz ao espaço entre os muros que dão limite ao movimento. Até o ponto em que a televisão ou a computador passam a ser as únicas ou maiores janelas para o exterior.
O esquecimento dos escândalos das denúncias e das criticas é garantido pela certeza de que serão sucedidos por outros mais novos, maiores ou mais graves. Não servem como aprendizado ou motivação para melhorias.
Parecem apenas ser uma sequência de sofrimentos desnecessários ou inúteis.
É desnecessário discutir os fatos. Tudo é de conhecimento público. Indiscutível. Inegável. Inevitável. Resta apenas olhar para além dos muros que cercam a existência para buscar dias melhores. Exigir o respeito devido a todo ser humano. Demandar e obter cidadania.
Ou, alternativamente, abraçar a mediocridade. E nada mais.

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Elton Simões mora no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV); MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca . Escreve aqui às segundas-feiras.

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